Apenas 16% dos condenados por violência doméstica tiveram reentrada no sistema de justiça após frequentar grupo reflexivo

Trabalho com autores de violência doméstica coloca-se como uma proposta inovadora e desafiadora realizada no judiciário

Amar o próximo está presente em atitudes simples do nosso dia-a-dia, como ter empatia, respeito e ser solidário. E são esses alguns dos desafios da equipe da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas da Comarca de Rio Branco (Vepma) que desenvolve o grupo reflexivo “Homens em Transformação”.

Criado em 2018, a atividade é voltada à responsabilização de autores de violência doméstica, condenados ao cumprimento da pena em regime aberto, com proposta de conscientizar os participantes com vistas a uma verdadeira mudança de comportamento permitindo o rompimento dos ciclos de violência doméstica e familiar ao promover uma transformação cultural pela igualdade e combate ao preconceito em vários níveis.

 

Previstos e recomendados pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para promover um espaço de reabilitação e reflexão aos autores de violência, os grupos reflexivos da VEPMA têm apresentado dados positivos. Nos últimos cinco anos, desde a sua implantação na unidade, foram recebidos 404 cumpridores (as) de pena para uma readequação comportamental em relação a essas violências e, apenas 16%, tiveram reentrada no sistema de justiça, ou seja, voltaram a praticar o crime.

Para a juíza titular da VEPMA, Andrea Brito, o trabalho com autores de violência doméstica coloca-se como uma proposta inovadora e desafiadora realizada no judiciário. Para ela, a iniciativa contribui para que o espaço da Justiça tenha ações de caráter preventivo e restaurador, atuando para além  da punição.

“A estratégia dos grupos reflexivos para autores está prevista na Lei Maria da Penha (artigo 22, VI; Lei 11.340/2006), a fim de prevenir a reincidência da violência de gênero através de uma abordagem responsabilizante, por meio de diálogos de caráter preventivo. Além de estar previsto na Lei, o “Homens em Transformação” também atende à Recomendação 124/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomendou aos tribunais instituírem e manterem programas voltados à reflexão e responsabilização de autores de violência doméstica e familiar”, disse.

Homens em Transformação

Com uma metodologia baseada na comunicação não violenta e diálogo transformadores, o grupo se reúne uma vez por semana com 10 a 15 participantes e possui duração de uma hora cada encontro. São, em média, oito a doze encontros dependendo da gravidade do delito cometido. 

Felipe Souza é um dos integrantes no grupo e, na sexta-feira, 7, finalizou sua participação, ou seja, pagou a pena imposta pela Justiça. Casado há dez anos, ele conta ter tido uma discussão com a esposa que culminou em violência física.

Após três meses frequentando o grupo, hoje ele entende que não pode agir de ‘cabeça quente’ e que o relacionamento dele com a esposa e com o filho mudou para melhor.

“Aprendi muito durante esses encontros. A gente vai vendo certas situações de outra forma. Hoje sei compreender. Conheci várias pessoas no grupo. Melhorei meu casamento. Trato melhor a minha esposa. Hoje, ela e eu, sabemos conversar”, finalizou.

A proposta do grupo reflexivo associa temas e conceitos com a experiência cotidiana do universo da pessoa, favorecendo diálogos por meio de perguntas e dinâmicas possibilitando  a  interação  dos  participantes  com  os facilitadores,  de  maneira  horizontal,  produzindo  juntos  com  eles  reflexões  e  compreensão sobre os temas abordados.

A facilitadora do grupo Homens em Transformação, Mirlene Taumaturgo, explica que os autores de crimes contra as mulheres precisam ter seus valores ressignificados. “Através desse trabalho, os temas e as perguntas são um instrumento de diálogo e geradoras de novas questões e reflexões. Os cumpridores não são apenas homens, mas também mulheres cumpridoras de crimes relacionado a lei”, explica.

As abordagens temáticas são outro tópico importante do grupo reflexivo, pois demonstram os eixos de trabalhos que são desenvolvidos nos encontros junto com os agressores. Assuntos como a legislação específica, o uso abusivo de álcool e drogas, o impacto da violência doméstica nas crianças e adolescentes, a comunicação não violenta e assertiva, cuidados com a saúde, trabalho e renda; além de outros subtemas tendo como núcleo central a questão de gênero.

Ela diz que muitos participantes se surpreendem com os conteúdos divididos durante os encontros, que são temas previamente planejados pela equipe; pois além da empatia oferecida, a Justiça tenta estabelecer outros tipos de resposta muito além da mera punição e que tais mudanças possam nos conduzir à igualdade, liberdade e autonomia tão saudáveis para as relações afetivas e sociais.

Ana Paula Batalha | Comunicação TJAC

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