Professora indígena trabalha como voluntária no Projeto Cidadão para ajudar seu povo

Atendimentos na Terra Indígena Puyanawa continuam nesta sexta-feira, 22. Já no sábado, 23, a comunidade da área urbana de Mâncio Lima também será beneficiada na Escola Padre Edson de Oliveira, finalizando a ação com a realização do tradicional casamento coletivo

A Ação Integrada, fruto da união de esforços do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), a Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE/AC), o Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), o governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) e parceiros, deu continuidade aos atendimentos na Aldeia Barão da Terra Indígena Puyanawa, no município de Mâncio Lima, nesta quinta-feira, 21.

Os atendimentos foram realizados na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Ixubay Rabui Puyanawa. Os indígenas puderam ter acesso a emissão de documentos (RG, CPF e título de eleitor); atendimentos jurídicos (consultas processuais, retificação de documentos e encaminhamentos de ações judiciais); atendimento previdenciário e social; atendimentos de saúde com testes rápidos, vacinação e aferição de pressão arterial, entre outros serviços, serão oferecidos na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Ixubay Rabui Puyanawa.

“Meu nome é Edevânia de Araújo Alves, agora oficialmente Edevânia de Araújo Alves Puyanawa”. Assim se apresenta Edevânia, ou Awinãni, nome indígena que significa “mulher disposta”. Ela tem quatro filhos e uma neta. No primeiro dia de atendimento, ela deu entrada nos documentos, mas no segundo dia, como uma “mulher disposta”, voluntariou-se para colaborar na condução dos trabalhos e assim, auxiliou a equipe do Instituto de Identificação no preenchimento dos formulários para a expedição do documento de RG.

Pacientemente, a professora ajudou, principalmente, os anciãos a desenhar as letras e escrever com orgulho o nome com a etnia Puyanawa. Awinãni narra ainda a gratidão por esse momento histórico, do preconceito sofrido por negarem sua identidade, e do desejo que essa ação não se limite ao povo Puyanawa, mas alcance todos os outros povos indígenas:

“Em nome do todo o povo, gostaria de agradecer as instituições pelo assessoramento para essa conquista. Hoje o povo Puyanawa está em festa, porque estamos dando esse passo, por todas as vezes que a gente passou por rejeição e preconceito, pelas pessoas dizeram que não somos Puyanawa. Com certeza, o fato de ter Puyanawa no nosso nome, vai servir para as novas gerações que virão e mostra pra sociedade que os povos indígenas estão resistindo até os dias de hoje. Hoje representa uma vitória para todo o Povo Puyanawa, mas espero que não seja só para os Puyanawa, mas para os outros povos, que ainda não tem essa conquista, que isso sirva de exemplo para outros povos. Hoje sou voluntária porque é pra melhoria do meu povo e estarei ajudando até o final. Fico muito grata a todas instituições que estão apoiando esse momento histórico, que com certeza vai marcar a nação Puyanawa”, finaliza.

O coordenador Regional da Funai no Juruá, Eldo Shanenawa, agradeceu pela oportunidade de estar presente e igualmente feliz ao ver por seus “parentes” (modo como os indígenas tratam outros indígenas) realizando o sonho de adicionar a etnia na sua documentação. Eldo afirmou que era uma prática comum os cartórios negarem o direito de adicionar nomes indígenas no documento e inventavam nomes aleatórios.

“Agradeço a oportunidade e compartilho aqui a minha felicidade, que é um sonho realizado, uma conquista, uma vitória para os povos indígenas estarem retificando nosso nome, porque é um reparo muito importante. Porque antes de 1988 nós não tínhamos esse reconhecimento e muito menos o direito de colocar o nome de nossa etnia no documento. Quando a gente ia no cartório, éramos impedidos, diziam que não existe, que não podíamos e pronto. Às vezes, o próprio cartório achava um nome pra gente, até hoje esse nomes e sobrenomes não indígenas são homenagens a alguém que passou no Acre, ou patrão, ou seringueiro, ou coronel, nomes impostos pelos cartórios”, disse.

Eldo, que é formado em Pedagogia, mestre em Letras e doutorando em Linguística, valoriza o significado desse momento para todos os povos indígenas, pois acredita que esse avanço vai influenciar outros povos. O pedagogo enfatiza ainda em os povos indígenas têm uma história, do passado e do presente. A história do passado é angustiante, pois foram massacrados e escravizados e “a história do presente é de conquistas, como essa que estamos hoje vivenciando com o Projeto Cidadão aqui na Aldeia Puyanawa”.

Seu depoimento compõe a memória do seu povo. “Essa conquista vai disseminar também em outros povos. Eu participando, enquanto indígena e coordenador regional da Funai, é histórico. Histórico não só para o Puyanawa, porque isso está fazendo uma abertura também para outros povos, para desfrutarem desse direito de ter o seu nome como sempre sonhou. É um sonho. Naquela época, era só um desejo, porque a gente não sabia ler, nem escrever, nem contar. Éramos tutelados. Hoje não, hoje temos formações acadêmicas, sabemos dos nossos direitos e deveres. A Justiça está reconhecendo nosso nome e não tem uma palavra pra definir que não seja gratidão, trazendo pra nossa identidade, os nossos ancestrais, o nosso povo, nossa história, nossa vivência, nossa resistência e da nossa cultura. Meu sentimento é de alegria e de gratidão”, finaliza.

 

A cozinheira da aldeia Ednilza de Araújo Alves Puyanawa, 35 anos, casada, três filhos, estava eufórica e repetia com um largo sorriso “muito grata por hoje ter o Puyanawa aqui (aponta para o documento), estou emocionadíssima por isso”. Ednilza tenta expressar com palavras o seu sentimento: “muito feliz, estou tão emocionada, que estou prendendo o choro de tanta emoção, isso aqui é muito lindo, de saber de tudo que nossos antepassados passaram pra chegar até essa grande conquista. Me sinto existindo como indígena de fato e de direito”.

Ela enumerou situações de rejeição social, onde há preconceitos por não ter a aparência que a sociedade julga ser indígena. “Na escola, as pessoas não acreditavam que eu sou indígena, mas eu afirmava que sou neta e filha de Puyanawa. O Projeto Cidadão é muito bom, porque o projeto está ajudando nosso povo, muito feliz pela oportunidade de estar vivendo esse momento aqui. A Justiça foi feita. Estamos mostrando e escancarando, com esse documento, que esse povo não desistiu e está mais vivo do que nunca”, afirma.

Era dos patrões

Para tentar entender a dimensão do que significa para os indígenas assinarem o nome com a etnia é preciso entender a sua história. A professora Edevânia de Araújo Alves Puyanawa explica que aproximadamente entre 1907 até 1950, o povo Puyanawa foi atacado, dizimado e feito de escravos pelos coronéis, principalmente pelo coronel Mâncio Lima. Por isso a maioria dos indígenas possui o sobrenome Lima, em virtude da imposição do coronel.

Entre 1950 e 1983, assumem os filhos e netos de coronéis, que continuam mantendo os indígenas não mais como escravos, mas como “propriedades”. Assim, de 1907 até 1950, essa época é conhecida como “Era dos patrões”.

A Era dos patrões encerrou entre 1982 e 1983, quando a Funai enviou dois indigenistas (Txai Terri e Macedo) para informar aos indígenas (que sobreviveram aos patrões e do trabalho escravo, após a dizimação), que aquela área era uma Terra Indígena. Esse momento marca o início da era do cacique Mário Puyanawa, falecido em 2020 de coronavírus.

Em 17 de maio de 2000, a Terra Indígena Puyanawa foi demarcada, que anota o início da era do cacique Joel Puyanawa, filho de Mário Puyanawa. 

Todo esse período, os indígenas tiveram seu direito de assinar o nome impedidos pelos patrões. Por isso, em 2023, assinar pela primeira vez com a etnia no nome é tão marcante e histórico.

 

Convênio e parceiros

A ação faz parte do Projeto Cidadão do TJAC e do programa Defensoria Itinerante, Cidadania Mais Perto de Você, da DPE/AC e do programa MP na Comunidade do MPAC. A edição é realizada com apoio de diversas instituições e com financiamento do Convênio Plataforma +Brasil n.º 902187/2020/CGPGC/SENAJUS/MJ, firmado entre o Tribunal acreano e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

Também são parceiros: o Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Receita Federal, prefeitura de Mâncio Lima, bem como, o governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), Secretaria Extraordinária de Povos Indígenas (Sepi) e Polícia Civil por meio do Instituto de Identificação.

 

Projeto Cidadão em Mâncio Lima

Os atendimentos na Terra Indígena Puyanawa continuam nesta sexta-feira, 22. A comunidade da área urbana de Mâncio Lima, também será beneficiada com o Projeto Cidadão, no sábado, dia 23, de 8h às 15h, na Escola Padre Edson de Oliveira, promovendo justiça e cidadania por meio de diversos serviços. A ação será finalizada com o tradicional casamento coletivo.

 

Texto e fotos: Elisson Magalhães | Comunicação TJAC

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