Esjud promoveu palestra sobre a religião da amazônia com o juíz federal Jair Facundes

Magistrado abordou a temática sob perspectiva cultural para novas(os) juízas(es) de Direito substitutas(os).

A Escola do Poder Judiciário do Acre (Esjud) promoveu, no dia 9, palestra intitulada: “Ayahuasca enquanto prática cultural”. O evento foi conduzido pelo juiz federal Jair Facundes e o público-alvo foram as(os) juízas(es) de Direito substitutas(os), discentes do Curso de Formação Inicial do Órgão de Ensino.

O magistrado assinalou que seu lugar de fala não poderia ser dissociado da sua origem. “Sou neto de indígena, cresci imerso nessa cultura, tenho de assumir posição coerente com minhas raízes”, ponderou. Antes de abordar o ritual do chá propriamente dito, explicou a origem do termo Ayahuasca, também conhecida como iagê, hoasca, santo-daime, daime e vegetal.

Jair Facundes agradeceu ao desembargador Elcio Mendes, diretor do Órgão de Ensino, pela oportunidade de compartilhar seus reconhecidos conhecimentos acerca do assunto.

“Foi uma grata surpresa, pois conhecemos a respeito do antigo ritual do chá da Ayahuasca, muito comum aqui no Acre. Essa realidade deve ser levada em consideração por todos os juízes e juízas locais, pois a utilização desta substância tem implicações jurídicas que devem consideradas em cotejo à realidade local e à cultura do povo acreano. A par disso, doutor Jair demonstrou ser um estudioso profícuo a respeito da Teoria da Argumentação Jurídica, recomendando diversas leituras. Ouvi-lo foi um prazer e eu espero participar de novos cursos sob a sua orientação”, avaliou o juiz de Direito substituto Luís Rosa.

Ayahuasca e religião

Produzida a partir da combinação da videira Banisteriopsis caapi com outras plantas, especialmente a Psychotria viridis, trata-se de uma bebida enteógena, ou seja, capaz de alterar a consciência e induzir ao estado xamânico ou de êxtase. Mas essa não é a sua principal característica, como explicou o juiz. “Assume papel relevante para o fortalecimento da identidade cultural local. Além disso, o Daime possui ‘intrínseca relação com diversas tradições religiosas, incluindo o o cristianismo e o judaísmo’, disse.

Para Jair Facundes, trata-se da “Religião da Amazônia”, iniciada há pelo menos três mil anos, conforme registros catalogados em material de cerâmica no Equador e, posteriormente, relatos de missionários jesuítas no ano de 1737. “Em um mundo cada vez mais globalizado, marcado pelo multiculturalismo, essa religião é mantida por aqueles que não se submeteram ao crivo do homem branco e cristão, embora por ele colonizado”, completou.

O profissional também falou de sua dissertação de Mestrado, cujo tema foi “Pluralismo, Direito e Ayahuasca: autodeterminação e legitimação do poder no mundo desencantado”. E também da atuação do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV), que usa em seu ritual a Ayahuasca. O objetivo da UDV é contribuir para o desenvolvimento espiritual do ser humano, bem como para o aprimoramento de suas qualidades intelectuais e de suas virtudes morais, sem haver qualquer distinção de raça, sexo, credo, condição social ou nacionalidade.

O sagrado

Considerada por estudiosos e especialistas uma manifestação religiosa legítima e genuinamente nativa, o Daime representa na prática a conexão entre natureza, cultura, sentimento, a fé e o sagrado. Nesse sentido, a ingestão da Ayahuasca não é um ritual de conveniência, uma mera repetição. “Na verdade, está associada a sentido maior, ao sentido de “ser” e “estar” no mundo, à essência da condição humana”, frisou.

Mestre em Constituição e Sociedade pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o magistrado destacou a atmosfera de alegria e de paz, em que as pessoas são envoltas ao participarem das reuniões espirituais.

Ayahuasca e Direito

O juiz federal ressaltou que o Estado deve proteger a diversidade, em sua mais ampla dimensão, incluindo a liberdade religiosa e o direito de culto, o que está esculpido na Constituição.

Citou uma série de dispositivos legais, como a Convenção de Viena (1971) e decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, que em 2006 determinou que governo estadunidense não poderia impedir a filial da União do Vegetal no Estado do Novo México utilizar o chá em seus rituais religiosos. No mesmo ano, o Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) do Brasil retirou Ayahuasca da lista de drogas alucinógenas em caráter definitivo.

Em janeiro de 2010, o Governo Brasileiro dispôs, por meio da Resolução nº 1 do Conad, a regulamentação de seu uso para fins religiosos, embora com uma série de vetos, a exemplo da exploração turística da bebida, curandeirismo, plantio, preparo e ministração para obtenção de lucro.

“Não se pode retirar da Ayahuasca o seu conteúdo imaterial, espiritual, que é o principal. Não é uma mera substância ou mercadoria, que se coloque à venda ou se use para troca”, afirmou, antes de asseverar que o maior desafio “é a preservação de sua condição de sagrado diante de um cenário de mercantilização religiosa”.

Irineu Serra

O magistrado discorreu brevemente ainda sobre a vida do mestre Raimundo Irineu Serra, fundador da doutrina que hoje possui ramificações em vários estados brasileiros e até em outros países. Também conhecido como “Mestre Juramidam”, nasceu no Maranhão, Nordeste, e cruzou toda Amazônia até chegar ao Acre.

“Grande parte do conhecimento que se tem acerca a origem do Santo Daime e da vida do mestre Irineu foi repassada através da tradição oral pelos mais antigos seguidores de sua doutrina, e também por pessoas que tiveram contato com ele. É um homem iluminado, já que seus ensinamentos permanecem, fazendo a diferença na vida de tantas pessoas, trazendo bem e paz”, concluiu.

Marcos Alexandre/Esjud | Comunicação TJAC

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