Artigo da Semana: ‘O fim da cultura do litígio’

O fim da cultura do litígio

Por Ricardo Ferraço

Entrar com ação judicial é encarar desgaste sem conta. É preciso paciência de Jó e nervos de aço para enfrentar a burocracia e esperar anos, às vezes décadas, por uma decisão. Fora o dinheiro para bancar um advogado capaz de esmiuçar brechas jurídicas a cada passo do processo, e uma boa dose de confiança diante da hipótese de impunidade.

Toda essa dor de cabeça muitas vezes é desnecessária. De acordo com relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), boa parte dos conflitos poderia perfeitamente ser resolvida de comum acordo entre as partes, sem a necessidade de ação judicial. A cultura do litígio, no entanto, insiste em engrossar a fila interminável de processos que caminha a passos de tartaruga e congestiona os tribunais, alimentando o ceticismo quanto à eficiência do Judiciário brasileiro.

Na contramão dessa história, cresce o esforço para a consolidação de uma cultura de conciliação no Brasil. O CNJ já capacitou mais de 400 magistrados em mediação e determinou a implantação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, por meio da Resolução nº 125. Experiências de núcleos de mediação vêm se multiplicando Brasil afora, com a capacitação de lideranças comunitárias, policiais, defensores públicos, psicólogos, assistentes sociais e tantos outros profissionais.

A figura de um mediador imparcial, capaz de facilitar a comunicação entre as partes envolvidas no conflito, pode ser o ovo de Colombo para a negociação de soluções de forma direta, simples e rápida. Soluções satisfatórias para ambas as partes, adotadas a partir da flexibilização de posições pessoais, sem qualquer caráter impositivo.

No caso de decisões sobre divórcios, partilhas e guarda de filhos, a neutralidade emocional de um mediador evita que relações pessoais já debilitadas acumulem ainda mais desgaste com uma briga na Justiça. A mediação também é atalho considerável para resolver cobranças de dívidas, conflitos trabalhistas, administrativos e tantos outros, na esfera pública e privada.

Otimismo? Nada disso. Nos Jogos Pan-Americanos de 2007, 18 núcleos de mediação criados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública no Rio de Janeiro foram fundamentais para desafogar o trabalho da polícia e da Justiça. Em Minas Gerais, o Programa Mediação de Conflitos atendeu mais de 55 mil casos entre 2005 e 2008. Em dois anos, o Projeto Mediar, implantado nas delegacias do estado, reduziu em 45,51% o número de ocorrências policiais. No Espírito Santo, a instalação de um núcleo para mediação interna no Tribunal de Justiça foi a solução encontrada diante da dificuldade nas relações de trabalho entre servidores e magistrados. E não faltam outros bons exemplos — no Ceará, em Pernambuco e nos demais estados.

O problema é que, no meio do caminho, sempre teima em haver uma pedra. E a pedra, no caso, é a inexistência de legislação federal capaz de padronizar o instrumento da mediação em todo o território nacional. Quais são exatamente as competências e os limites do mediador? Qual deve ser sua qualificação? Que órgão deve ser responsável pelo cadastro e pelo controle do trabalho desses profissionais?

Só com diretriz de caráter nacional será possível fomentar a implantação da mediação na esfera privada e em órgãos públicos, como conselhos tutelares, Procon, presídios, escolas e Defensoria Pública, oferecendo à sociedade alternativa mais simples e eficaz para a solução de conflitos. Só com essa diretriz nacional será possível, também, abrir o mercado de trabalho para mediadores devidamente capacitados e desenvolver estatísticas confiáveis sobre os resultados da mediação.

Vale observar que vários países já regulamentaram essa matéria, entre eles os Estados Unidos, a Argentina, o Japão, a Austrália e a França. No Brasil, a mediação foi objeto do II Pacto Republicano, assinado pelos três Poderes da Federação em 2009.

Estimular a mediação é apostar numa cultura de paz, na capacidade de negociação e diálogo para que as partes envolvidas num conflito tenham a chance de chegar, por si próprias, a soluções consensuais. É também evitar que uma simples briga na escola, uma cobrança indevida, ou até um bate-boca entre vizinhos continuem sufocando ainda mais o Judiciário.

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*Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense, seção Opinião, edição de 29.10.2011.

**Ricardo Ferraço é Senador da República (PMDB-ES).

 

 

 

Assessoria | Comunicação TJAC

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