Artigo da Semana: ‘Cinco anos da Lei Maria da Penha’

Cinco anos da Lei Maria da Penha*

Mônica Sifuentes**

A lei, sozinha, não resolve tudo. Se resolvesse, bastaria ao Congresso editar uma nova lei e vários problemas brasileiros estariam resolvidos, inclusive a corrupção. Há séculos se discute se a lei deve ter esse caráter pedagógico, regulando situações e comportamentos futuros dos cidadãos ou se, ao contrário, ela deveria ser editada apenas quando a repetição das condutas nocivas ou não desejadas impusesse a sua aprovação.

De qualquer modo, no nosso sistema estatal de tripartição de poderes, a primeira regra é a de que o Legislativo elabora as leis, cabendo ao Executivo e ao Judiciário, cada um ao seu modo, executá-las. Em outras palavras, existindo a lei, ela deverá ser imediatamente cumprida, sob pena de cair no esquecimento, ou então virar letra morta.

No dia 22 de setembro deste ano, a Lei Maria da Penha (Lei nº11.340/2006), criada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, completou cinco anos de vigência. Quando entrou em vigor, duvidava-se de que ela pudesse surtir algum resultado, reprimindo ou mesmo punindo prática que não era vista assim com tão maus olhos, numa sociedade ainda de fortes raízes patriarcais. Afinal, mulher que saía de casa para acusar o seu companheiro era tida como ingrata e atrevida. Deveria, quando muito — e se pudesse —, procurar um psicólogo para resolver os seus problemas.

Dizia-se até mesmo que a nova lei iria estimular as mulheres a denunciarem os seus maridos, levando o conflito doméstico para a polícia ou o tribunal, quando é sabido que roupa suja se lava em casa e em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher. Certa delegada de polícia diz ter se cansado de ouvir: “Doutora, eu não matei, não roubei, a senhora vai me prender só porque eu bati na minha mulher?”.

Na verdade, a Lei Maria da Penha trouxe a lume uma dura realidade escondida nos lares brasileiros. Muitas tragédias ocorreram até que se tomasse a iniciativa de reverter a impunidade histórica no Brasil com relação à violência doméstica. A própria Maria da Penha, cujo nome batizou a lei, foi vítima de duas tentativas de assassinato, antes de tomar coragem para processar criminalmente o seu ex-marido.

Considerada uma das três melhores leis do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, a lei brasileira contra a violência doméstica é elogiada internacionalmente por ter dado tratamento abrangente ao tema, punindo não apenas a agressão física à mulher, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. Estabeleceu a lei, ademais, formas de proteção da vítima pelo Estado, como a previsão de casas de abrigo, delegacias especializadas e medidas preventivas de proteção à mulher.

Em cinco anos de vigência, a Lei Maria da Penha registra hoje a aprovação de pelo menos 80% dos brasileiros, segundo pesquisa realizada pela Fundação Abramo. No Superior Tribunal de Justiça, a quantidade de processos penais envolvendo a violência doméstica de gênero passou de 640, em 2006, para 1.600, em 2011. Um aumento de quase 150%. Embora ainda haja resistência à aplicação da norma por parte de juízes e autoridades, o aumento dos casos demonstra, no mínimo, que as mulheres estão perdendo o medo de se declararem vítimas de violência e denunciarem os abusos. A lei pode melhorar, é verdade.

Alguns pontos ainda exigem maior reflexão, como a necessidade da representação da vítima para o início da ação penal, tema já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, mas de modo não unânime. No Congresso estão em curso vários projetos de lei que sugerem alterações no seu texto. Entre avanços e recuos, estamos caminhando. A lei, apesar de nova, já trouxe mudança visível no comportamento das pessoas. A paulatina conscientização de que os problemas domésticos não se resolvem com violência é, sem dúvida, a maior delas.

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* Artigo originalmente publicado no Jornal Correio Brasiliense, seção Opinião, em 02.10.2011.

** Mônica Sifuentes é Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal – 1ª Região. É Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e Doutora em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa (2003). Tem três livros publicados, é autora de diversos artigos doutrinários e professora do curso de Mestrado em Direito Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF).

 

 

Assessoria | Comunicação TJAC

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