Em inspeção, GMF conhece projeto de extensão e quebra de preconceito com adolescentes

Durante a inspeção de rotina, os magistrados conheceram o projeto de extensão que a partir do trabalho com a multidisciplinaridade, objetiva desconstruir preconceito estrutural

O Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) realizou inspeção anual no Centro Socio-educativo Mocinha Magalhães (CSMM), na terça-feira, 20, na capital acreana Rio Branco. A inspeção foi conduzida pelo coordenador do GMF, o juiz de Direito Robson Aleixo (Vara de Delitos de Organizações Criminosas), a juíza de Direito Andréa Brito (Vara de Penas e Medidas Alternativas), juntamente de assessoras do Poder Judiciário.

O CSMM é destinado apenas ao público feminino, tem capacidade para 23 adolescentes, mas atualmente abriga 13. A unidade disponibiliza atendimento médico e odontológico. Seis adolescentes estão em acompanhamento psiquiátrico, cinco no Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para tratamento de drogadição, e uma no Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac).

As socioeducandas não são separadas por facção, mas por natureza do delito. Kits com material de higiene são distribuídos semanalmente e as próprias adolescentes realizam a limpeza do ambiente.

O primeiro momento da inspeção consiste numa entrevista com o corpo técnico sobre os números, aspectos estruturais, capacidade, alimentação, atendimento médico, enfermaria, biblioteca, acesso à educação e as rotinas da unidade. Em seguida, é realizada uma verificação nas condições da estrutura física e diálogo com os internos.

 

 

Decolonização do olhar

Durante a inspeção de rotina, os magistrados conheceram o projeto de extensão ‘A Decolonização do Olhar de Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa no Centro Socioeducativo Mocinha Magalhães’, aprovado pela Universidade Federal do Acre (UFAC). O projeto está ligado à tese defendida da professora doutora em Educação Salete Peixoto, psicóloga e professora de psicologia da educação no Centro de Educação, Letras e Artes (Cela/Ufac).

O projeto é embasado numa teoria latino-americana chamada decolonial. Na prática, a professora deseja provar que decolonização no olhar é mostrar a elas o quão preconceituoso é o mundo e o quanto incorporamos isso nas nossas ações”, trazendo para o debate a classificação social, racismo, preconceito, e isso se incorpora inconscientemente. Desta forma, a docente explica que decolonizar o olhar é quebrar o ranço preconceituoso, é respeitar e não naturalizar o processo de discriminação e preconceito.

 

A doutora em Educação argumenta ainda que as ideias ligadas ao preconceito são aceitas e naturalizadas em nossa sociedade em geral, e acabamos jogando nossos jovens as margens da periferia, não ofertando oportunidades de trabalho. Assim, o foco do projeto é empoderar as adolescentes.

A professora conta com a colaboração de bolsistas, que não foram informados sobre quais delitos cometeram as adolescentes. A intenção é que os alunos bolsistas não trabalhem com as infrações, que não entrem com o ranço da discriminação, mas que vejam o humano, assim descontruindo o preconceito estrutural.

 

 

O que é o amor?

O projeto está sendo implementado no CSMM há aproximadamente dois meses, segundo a professora doutora, os resultados são visíveis. Enquanto profissional a professora destaca que após a implantação do projeto houve uma ebulição de muitas histórias, memórias e traumas.

A professora disse que o primeiro momento parecia uma sessão terapêutica, pois após provocar o diálogo, temas como sexualidade foram dialogados e as socioeducandas relevaram situações delicadas como abusos sexuais.

Nesse ambiente de construção de confiança, veio o desabafo de uma menina que foi abusada diariamente desde os 4 anos até os 12 anos de idade pelo padrasto e pelos irmãos. Assim, confirmando a estatística que os autores são em grande maioria de pessoas próximas que usa o prestígio da confiança.

Entre as jovens, o nível de vulnerabilidade é alto seja pela falta de visita ou pela desestruturação familiar ou pela baixa estima. Por exemplo, Salete conta que uma das adolescentes perguntou para um dos alunos bolsistas “o que é o amor?”. Quando questionada o porque da pergunta ela responde: “porque não sinto amor nem por mim, nem pela minha mãe, nem por nada”.

 

O poder da arte

O Projeto recebe a contribuição de bolsistas alunos de variados cursos de graduação, como letras inglês e espanhol, ciências sociais, história, artes cênicas e outros. Assim, o projeto trabalha a partir da multidisciplinaridade de rodas de conversa, como música, dança, poesia, cinema, aulas de desenho, assim, a conversa flui. Nas aulas de desenho, a partir das ilustrações produzidas, a psicóloga analisa desde as cores preferidas a temática dos desenhos.

Por exemplo a tradução e debate sobre as letras das músicas escolhidas pelas adolescentes são trazidos para as atividades. Neste mês de setembro também será debatido o tema suicídio, em alusão a campanha do Setembro Amarelo.

Uma das socioeducandas é Camila* (nome fictício) está há um mês no CSMM e conta sobre sua experiência com o projeto, durante uma aula de desenho. 

“Hoje percebo que a gente se expressa por meio do desenho, e tá me ajudando bastante e ajudando várias meninas aqui também. Essa é a primeira vez que desenho. No meu primeiro desenho eu falava que não era capaz, e a psicóloga me ensinou que tudo que queremos, nós somos capazes sim. Hoje estou desenhando melhor do que a primeira vez. Quando estou desenhando, eu me desligo, não lembro que estou aqui presa. O desenho é uma forma de colocar pra fora o sentimento que a gente tem, mesmo não querendo, mas de algum modo o sentimento está lá no desenho, seja no traço, cores, etc” finaliza Camila.

 

 

TJAC e a Justiça Restaurativa

Ações como o Projeto Decoloniação do Olhar vão ao encontro de trabalhos já realizados no TJAC, ou seja, que englobam uma política nacional do CNJ e também de Justiça Restaurativa.

O TJAC realiza ações com foco restaurativo, visando a ressocialização e reintegração de adolescentes com medidas socioeducativas e de adultos que estão cumprindo sentenças.

A reinserção e o resgate de laços, trabalhados nos grupos reflexivos com autores de violência doméstica e os atendimentos com práticas restaurativas nos Centro Socioeducativos são modelos de promoção de justiça, pautado no diálogo, compreendendo o papel das partes envolvidas e conclamando a sociedade a se envolver na solução dos conflitos e crimes.

 

Elisson Nogueira | Comunicação TJAC

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