Comv-vida: atendimentos do TJAC faz a diferença na vida de vítimas de violência doméstica

Serviços de encaminhamentos a programas de assistência social, médica, psicológica e orientações sobre seus direitos são realizados por equipe da Justiça acreana para melhorar a eficácia da rede de apoio às vítimas de violência doméstica e familiar

“Eu pensava: ele tem o maior cuidado comigo, tem ciúmes, gosta muito de mim. Mas, não era isso”, comentou Helena (nome fictício). Ele, o homem com quem mantinha um relacionamento amoroso, tentou matá-la enquanto ela estava trabalhando. Ele foi preso e levado à Audiência de Custódia, onde foi determinada a prisão. Mas, paralelo a isso a equipe do Judiciário do Acre coletou os dados e entrou em contato com Helena para prestar o amparo necessário.

Este trabalho de oferta de proteção, conforto e encaminhamentos às pessoas que foram vítimas de crimes e atos infracionais, especialmente, mulheres que sofreram e sofrem com violência doméstica, é realizado pelo Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), por meio da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), com o Programa Comv-vida, com o Centro de Acolhimento à Vítima de Violência Doméstica.

Helena foi atendida pela psicóloga e a equipe da Comsiv. O TJAC foi a primeira instituição a ofertar esse apoio a ela, e realizou os encaminhamentos para atendimentos psicossociais, como aluguel social, pois ela residia com a avó de seu agressor. Helena disse que ficou agradecida por ter sido procurada pela Justiça, pois, após sair do hospital, não sabia o que fazer ou a quem pedir ajuda.

A equipe da Justiça acreana também está intermediando contato com a empresa na qual Helena trabalha, para ofertar soluções que sejam melhores para ela, que vive os efeitos do trauma, o atentado contra sua vida. Além disso, outros auxílios podem ser feitos, conforme cada situação. Dependendo do caso, as mulheres que são procuradas pelo Judiciário podem estar precisando transferir filhos de escolas, refúgio, atendimentos médicos.

Todos as providências são realizadas junto com os órgãos que integram a Rede de Proteção às Mulheres. Como a desembargadora Eva Evangelista, coordenadora da Comsiv, sempre enfatiza nas reuniões e ações da área, a Rede precisa ser fortalecida, com política públicas, com preparação e mais profissionais, para que as pessoas que, infelizmente, padecem com esses crimes, possam ter ampla acolhida. O trabalho do Judiciário com seus programas e projetos vem complementar, somar e não substituir ou ocupar o papel das outras instituições.

Psicóloga Eunice Guerra, servidora do TJAC que atua no Centro de Acolhimento a Vítima de Violência Doméstica

Não é normal, natural, muito menos carinho

Por vezes, a mulher que sofre agressões físicas já vinha sendo vítima de violência doméstica e familiar. Certas atitudes são sinais de alerta e tipos de violência, como: ciúmes excessivos, controlar tudo na vida dela, roupas, pessoas com quem ela conversa e sai, proibir que ela estude ou vá trabalhar, empurrar, monitorar o celular, ficar com o cartão do banco, ofender, ameaçar, xingar, desmerecer tudo que ela faz. Esses são alguns exemplos de comportamentos que podem ser enquadrados nas cinco formas de violência doméstica e familiar previstos na Lei Maria da Penha: a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Tais atitudes não são normais, naturais e muito menos demonstram carinho e atenção por parte dos parceiros, como esclareceu a psicóloga Eunice Guerra. A servidora atua no Comv-vida do TJAC e recebeu Helena na sala decorada com quadros de paisagens naturais, criando um ambiente mais acolhedor para lidar com tantas dores. Os direcionamentos psicossociais são as funções da profissional dentro desse programa do Judiciário, mas ao conversar, escutar e atender essas mulheres já se inicia o trabalho de reconstrução da vida que foi impactada pelo ato violento, cometido pelas pessoas as quais as vítimas confiavam, conviviam dentro de casa.

Dias antes de tentar matar Helena, ele vinha consumindo drogas, bebendo e controlava tudo que ela fazia. Chegou a ficar procurando homens escondidos dentro dos armários e guarda-roupas da casa. Helena estava sendo vítima de um relacionamento abusivo e não compreendia isso. Na nossa cultura, existe a crença errada que o amor é medido em quantidade de ciúmes, possessividade, controle. Mas, não é. E isso precisa ser entendido por toda a sociedade, afinal, a violência doméstica e de gênero é também legitimada na nossa cultura, que é machista.

 

Helena sendo atendida pelo Comv-vida do TJAC

Ser gente…

Somado a essa barbaridade vivenciada na pele, com os machucados ainda em processo de cicatrização, Helena está sendo responsabilizada pela violência que ela mesma sofreu. Ela revelou que foi questionada porquê continuou com ele, disseram que ela teve sorte em sair com vida. Incorporando e acreditando ser natural esse tipo de discurso que reproduz novas formas de violência contra ela, Helena soltou: “Como é que eu não soube ser gente, meu Deus?”

A pergunta dela sobre quem não foi ser humano nessa história deveria ser feita a toda a sociedade que, por meio dos discursos midiáticos e comentários cotidianos, julgam e condenam mulheres vítimas desses crimes. Às vezes vizinhos, amigos, amigas, parentes próximos e pessoas que estão dando os primeiros atendimentos, revitimizam e culpam a vítima, insinuando: “Mas, você não provocou ele?”; “Você o traiu”; “essa roupa era muito chamativa”; “você se envolveu com bandido, porque quis”. Ou, os veículos de imprensa e comunicação lesam direitos dessas mulheres, quando expõem suas imagens sem autorização e de forma irresponsável.

O programa do Judiciário deve ser aperfeiçoado, juntamente com a articulação de outros serviços ofertados pela Rede de Proteção à Mulher e, claro, com a capacitação de quem atende essas mulheres. Afinal, combater a violência doméstica e familiar também envolve processos educativos, de sensibilização social e prevenção como a própria Lei Maria da Penha estabelece.

Prevenção

A desembargadora-presidente do TJAC, Waldirene Cordeiro, assumiu em 2021 o compromisso internacional da Organizações das Nações Unidas (ONU) em promover a igualdade de gênero e empoderamento de meninas e mulheres. Desde então, tem-se potencializado medidas de acolhimento como o programa Comv-vida, mas também são incrementados projetos de conscientização que vão às escolas sensibilizar estudantes sobre violência doméstica.

Outra frente de enfrentamento da Justiça do Acre são os grupos reflexivos, para mostrar aos homens que praticaram violência doméstica e familiar que seus atos são crimes. Dessa forma, os grupos reflexivos, que o Judiciário estadual suscitou para serem instituídos como Lei pelas Câmaras Municipais em 11 cidades do interior, tratam de mostrar aos autores de violência doméstica como seu pensamento e suas práticas cotidianas precisam mudar, para eles não cometerem esses crimes novamente.

 

Contudo, outro problema que circunda a realidade da violência doméstica, é a dependência química. Segundo, informou a psicóloga Eunice Guerra, dos 60 atendimentos às mulheres que ela realizou pelo programa Comv-vida, em apenas um caso o homem não era dependente químico. Às vezes é o filho que bate na mãe para comprar entorpecentes, comentou Guerra.

O dado mostra a urgência em fazer políticas de saúde e atenção a esse público. Afinal, como lembrou a profissional “se não houver um trabalho, esse homem vai sair da prisão, vai arranjar outra pessoa e repetir as ações criminosas”.

Denuncie

Helena sofreu a tentativa de feminicídio e outros abusos ao longo do relacionamento, terá marcas permanentes no corpo, foi revitimizada durante alguns atendimentos iniciais e está sendo culpada por um crime do qual foi vítima. Mas, agora, com os encaminhamentos possíveis por causa do Judiciário acreano, está querendo voltar a seguir com sua vida. “O que eu quero para hoje do fundo do meu coração é ter um lugar para sossegar, ficar no meu cantinho, quero tranquilidade”, pediu ela.

O trabalho do TJAC, de outras instituições e organizações é com objetivo de que todas as mulheres, principalmente, as que são agredidas, espancadas, violentadas dentro de casa, possam viver do jeito que Helena deseja, em paz. Conjugado a esses serviços, é importante denunciar. Então, se você identificou alguns dos comportamentos listados da matéria, sabe de alguém que sofre algum dos tipos de violência doméstica, ligue no 190 ou 180.

A mulher vítima desses crimes tem direito a: ser afastada do trabalho para sua proteção; receber amparo imediato pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com médico, psicólogo, exames; e informações sobre seus direitos. Mas, é essencial romper o ciclo da violência e denunciar.

Política de atenção à vítima

A Justiça acreana implantou a política de atendimento à vítima de crimes e atos infracionais, em 2021, com a Portaria n.°940. Os trabalhos eram feitos através do balcão virtual, teleatendimento para qualquer pessoa que tivesse sofrido com atos criminosos, não somente vítimas de violência doméstica e familiar, mas de outros tipos de crime. Para ampliar esse atendimento, o TJAC instalou o Centro de Atenção à Vítima (Cavi) no Fórum Criminal, na Cidade da Justiça de Rio Branco, em agosto.

Contudo, para garantir uma acolhida mais humanizada, dedicar espaço exclusivo as vítimas de violência doméstica foi lançado o programa Comv-vida em maio de 2022. Entre a data da criação do Comv-vida foram realizados mais de 125 atendimentos.

Essas ações concretizam solicitações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a Resolução n.°253/2018. A normativa orienta que os tribunais brasileiros implantassem a política de atenção à vítima melhorando estruturas e procedimentos para humanizar dentro do sistema de Justiça o atendimento a cidadãos e cidadãs que tenham sofrido algum tipo de delito, crime e necessitem de apoio.

Todas essas ações e diretrizes além de acompanharem tratados internacionais e as legislações brasileiras atendem um dos eixos de atuação do programa Fazendo Justiça, promovido pelo CNJ em parceira com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Emanuelly Falqueto | Comunicação TJAC

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