Artigo da Semana: Leia Maria da Penha – reflexos da decisão proferida pelo STF’

Por Evelin Campos e Iverson Bueno*

No dia 9 de fevereiro deste ano o Supremo Tribunal Federal julgou conjuntamente as Ações Declaratória de Constitucionalidade no 19 e Direta de Inconstitucionalidade no 4424, ocasião que reconheceu, por maioria, a constitucionalidade da Lei Maria da Penha que afastou a aplicação da Lei 9.099/95 para os casos de violência doméstica, e conferiu interpretação conforme à Constituição para atribuir a natureza de ação penal pública incondicionada para os crimes de lesão corporal leve e culposa.

Indagação que se faz é a seguinte: a decisão do STF tem repercussão a todos os crimes cometidos no âmbito de violência doméstica?

A resposta é negativa, embora uma leitura apressada e equivocada possa levar a interpretação diversa, como é o texto da renomada advogada Maria Berenice Dias intitulado “Lei Maria da Penha é constitucional e incondicional”, publicado no site do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, bem como o texto enviado pela assessoria do Conselho Nacional do Ministério Público à Associação do Ministério Público do Estado do Acre, encaminhado para e-mails funcionais.

Primeiramente, convém destacar que em nenhum momento do voto proferido pelo eminente Relator Ministro Marco Aurélio afirmou-se que agora todos os crimes praticados no seio familiar são de natureza pública incondicionada. Pelo contrário, o relator restringiu em todo o seu discurso o crime de lesão corporal, qualquer que seja a extensão deste. Isso porque o objeto da ADIn 4424 – tipo de crime e natureza da ação – versa sobre a desnecessidade de representação por parte da vítima de violência doméstica que é “agredida” (lesão corporal) por seu companheiro, marido ou namorado, e não ameaçada.

Aliás, conforme consignado na inicial da ADIn 4424, ajuizada pelo Ministério Público Federal, em que se cumulou pedido de medida cautelar, registrou-se a necessidade de conferir interpretação conforme à constituição  aos artigos 12, inciso I e artigo 16 da Lei 11340/2006 no sentido de que “os dispositivos referidos têm aplicação a crimes que se processam mediante representação, por previsão legal distinta da Lei 9099/95”.Assim, depois de publicada a decisão do Supremo Tribunal Federal no Diário da União é que podemos afirmar que nos casos de lesão corporal leve ou culposa não há necessidade de representação por parte da vítima, podendo o Ministério Público ajuizar a respectiva ação penal sem esta – assim conhecida – condição de procedibilidade. Portanto, a autoridade policial ou o órgão acusador ao tomar conhecimento de lesão corporal sofrida por vítima mulher em que o agressor é seu (ex) marido, companheiro ou namorado, deverá agir mesmo que a vítima manifeste o desejo de não processá-lo.

Embora seja um contrassenso, já que a decisão do STF veio para proteger ainda mais a mulher e não para deixar a seu livre arbítrio “denunciar” ou não seu companheiro, para os crimes que dependem de representação da vítima, como ameaça e os contra a liberdade sexual por exemplo, a natureza da ação para processamento do autor ainda continua sendo pública condicionada e, consequentemente, a vítima poderá exercer o seu direito de retratação (e não renúncia conforme disse o legislador no artigo 16 na Lei 11340/2006).

Conclui-se, portanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 4424 apenas repercutiu para os crimes de lesão corporal leve e culposa, já que referida ação foi julgada procedente apenas para dar interpretação dos artigos 12, inciso I, 16 e 41 da Lei Maria da Penha conforme à Constituição Federal de 1988.

O Informativo nº 654 do Supremo Tribunal Federal põe fim a qualquer dúvida:

“Lei Maria da Penha e ação penal condicionada à representação – 3 Entendeu-se não ser aplicável aos crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/95, de maneira que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria pública incondicionada. Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara, em processo subjetivo, a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADI-4424)”.

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* Evelin Campos Cerqueira Bueno é juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Acre, com atuação no Juizado Especial Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul; e Iverson Rodrigo Monteiro Cerqueira Bueno é promotor de Justiça do Ministério Público Estadual do Acre, com atuação na Comarca de Cruzeiro do Sul.
 
 
 
 
                      
Assessoria | Comunicação TJAC

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