Superior Tribunal de Justiça decide que Lei Maria da Penha passa a valer em Ação Cível

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu pela primeira vez a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) em Ação Cível, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor.

A decisão tomada pela 4ª Turma neste mês de fevereiro é relevante para todo o Sistema de Justiça, na medida em que amplia consideravelmente a proteção das vítimas de violência doméstica, visto que essas medidas assumem eficácia preventiva.

À frente da Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar, a desembargadora Regina Ferrari destacou as implicações da decisão. “O STJ toma uma decisão de vanguarda. No magistério de Alexandre Câmara, as medidas protetivas podem ter características de tutela antecipada ou medidas cautelares, sendo que o mais importante é a existência dos requisitos da tutela de urgência, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. No anteprojeto da Lei Maria da Penha, tais medidas foram chamadas de “medidas cautelares”. Entretanto, foram encartadas na Lei 11.340/06 como medidas protetivas  com natureza híbrida (civil  e criminal).  Muitos sustentam que as medidas protetivas teriam natureza de medida cautelar penal, ainda que inexistente a persecução penal. Maria Berenice Dias, por sua vez,  entende que não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária”, considerou.

O fumus boni iuris significa a “fumaça do bom direito”. É um sinal ou indício de que o direito pleiteado de fato existe.

Já o periculum in mora traduz-se, literalmente, como “perigo na demora”. Para o direito brasileiro, é o receio que a demora da decisão judicial cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado.

Importância do tema

Para o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, “parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas”.

Ainda segundo ele, “franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intrafamiliares”.

Regina Ferrari salientou também que na legislação norte-americana está prevista a medida protetiva (orders of protection), independentemente da existência de qualquer feito penal e pode ser até deferida na corte de família.

Ela lembrou várias medidas assim parecidas, a exemplo das cautelares de separação de corpos.

De acordo com a magistrada, para além de qualquer discussão acadêmica sobre o tema, certo é que a medida protetiva deve ser concedida não só nos casos  em que estejam presentes os requisitos clássicos das medidas cautelares e  indícios da prática de uma infração penal. “Há condutas que embora não se revelem típicas – por exemplo os atos preparatórios , revelam situação de perigo para a mulher”, explicou.

A desembargadora ressaltou que de igual modo a existência de uma infração penal não é requisito obrigatório para o deferimento de medida protetiva de urgência, pois existem condutas previstas no art. 7º da Lei 11.340/06,  como no caso da violência psicológica,  que não se esgotam nos tipos penais previstos na legislação.

Ainda de acordo com a coordenadora Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar, “a superação do modelo processual tradicional demanda compreendermos que o resultado útil do processo está em garantir que a mulher vítima de violência doméstica fique integralmente protegida. Essa é a nossa compreensão enquanto magistrados, responsáveis para discernir a ambiguidade técnica e a complexidade do tempo presente”.

Decisão

A ação protetiva dos direitos da mulher foi ajuizada por uma senhora contra um de seus seis filhos. Segundo o processo, após doações de bens feitas em 2008 por ela e o marido aos filhos, um deles passou a tratar os pais de forma violenta, com xingamentos, ofensas e até ameaças de morte. O marido faleceu.

Com a ação, a mulher pediu a aplicação de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Queria que o filho fosse impedido de se aproximar dela e dos irmãos no limite mínimo de cem metros de distância, e de manter contato com eles por qualquer meio de comunicação até a audiência. Queria ainda a suspensão da posse ou restrição de porte de armas.

Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito. O juiz considerou que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha têm natureza processual penal e são vinculadas a um processo criminal. Não há ação penal no caso. O Tribunal de Justiça de Goiás reformou a sentença e aplicou as medidas protetivas, por entender que elas têm caráter civil. O filho apontado como agressor recorreu ao STJ contra essa decisão.

Conforme o ministro Luis Felipe Salomão, a Lei Maria da Penha permite a incidência do artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (CPC) para concretização das medidas nela previstas. Ele entendeu que, de forma recíproca e observados os requisitos específicos, é possível a aplicação da Lei 11.340 no âmbito do processo civil.

Seguindo o voto do relator, a Turma decidiu, por unanimidade de votos, que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência terão natureza de cautelar cível satisfativa.

(Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ)

Assessoria | Comunicação TJAC

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