A radiografia do judiciário

Francisco Peçanha Martins Ministro do Superior Tribunal de Justiça Seminário recente realizado pelo STF anuncia o início de séria e meticulosa anamnese do Poder Judiciário. O grande dado, ressaltado pela mídia, sobre a proporção entre a população e o quadro de juízes, é que os teríamos em número suficiente para a demanda, consoante parâmetros estabelecidos pela ONU — 7% para cada 100.000 habitantes. A média de 7,62 magistrados é superior ao estabelecido pela notável organização. Números, em princípio, não se discutem, mas os resultados dos cálculos variam de acordo com os elementos levados em consideração. Veja-se, por exemplo, o que acontece com os chamados juros compostos, de que se nutre o sistema financeiro. A propaganda ostenta a cobrança de juros módicos, inferiores a 1% nas prestações. O consumidor imprudente constata, em meio ao contrato, que estará pagando muito mais do que pensara. O mesmo ocorre com a chamada Tabela Price, utilizada nos financiamentos imobiliários. É necessário observar qual a metodologia utilizada para o cálculo realizado, que premissas foram adotadas, quais as realidades nacionais observadas. E é falha e discutível a comparação pela média, sem levar em conta as circunstâncias consideradas para a sua determinação. Temos inúmeras varas cíveis e federais com mais de dez mil ações em curso nos estados de economia mais desenvolvida. Em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, as varas cíveis estão abarrotadas de processos. E, nas primeiras, aguardam execução milhares de mandados por falta de prisões. No caso brasileiro, a primeira constatação é a relativa ao fenômeno da onipresença do Estado na economia e o conseqüente empreguismo, observável em todas as esferas do poder. Os parâmetros da capacitação profissional, da deficiência de meios mecânicos, e, sobretudo, dos meios de produção, ou seja, os processos utilizados para a prestação da justiça pelo Estado, não revelam bons exemplos. Há que se ver quem e por que é provocada a grande litigiosidade nacional, hoje ainda contida no Judiciário. Enfim, a pesquisa há de ser meticulosa, abrangente, científica, para conduzir a um diagnóstico real, capaz de propiciar a discussão de soluções razoáveis, possíveis, diante da realidade brasileira. As primeiras perguntas que faria Sherloch Holmes, diante da cena dita caótica da distribuição de justiça, seriam: quem é o responsável? a quem interessa a manutenção da morosidade? Denuncia-se, na democracia representativa brasileira, o defeito grave da irresponsabilidade e até da desonestidade dos governantes na gestão dos negócios públicos. A corrupção, encoberta por “realizações de obras públicas”, compras desnecessárias ou sumamente caras, para encobrir as famigeradas “comissões”, cobradas até sob o pálio da formação das “caixinhas”, ou os favores aos financiadores das caras campanhas políticas, são determinantes do chamado “alto custo Brasil”, que, por maior arrecadação tributária feita, não permite ao Estado dispor de colcha mais longa que possa permitir a cobertura integral do doente sôfrego, necessitado de crescer. Na ânsia por crescer, por cobrir todo o corpo da nação, os governos, nos últimos sessenta anos, transformaram a economia agrária, constituída sob uma falsa vocação agrícola exclusiva, numa punjante economia agro-industrial. E o fizeram com empréstimos externos e internos (Petrobrás, Eletrobrás…) e com o uso do malefício inflacionário, que corroeu valores morais no cumprimento de obrigações, fomentando o egoísmo exacerbado, consagrado pela propaganda com a figuração de excepcional jogador de futebol, definido como a “Lei de Gerson”. Ainda hoje, empenhado o governo na contenção da inflação, lemos a propaganda do “compre hoje, antes do aumento”. Ao menor indício de melhoria da economia, novos aumentos de preços. É a “realização de lucros” irrefletida, em prejuízo da benfazeja estabilidade ampliadora do consumo e, conseqüentemente, da lucratividade. O princípio fordiano, do ganhar pouco na unidade para lucrar muito com a maior produtividade, parece esquecido. O fato é que o remédio amargo da deflação custou ao Judiciário o aumento absurdo no número de demandas, pois os planos econômicos atingiram considerável parcela de brasileiros. É tão avultada a onda, verdadeiro maremoto, que até hoje são discutidos em juízo os seus efeitos. E não vale aferido se bons ou maus os resultados. O que importa é que arrasaram o aparelho judiciário. A par deles, a elevação da carga tributária mediante aumento das contribuições das alíquotas e novas incidências, contribuíram também significativamente para o tsunami. O fato é que todos somos culpados e importa diagnosticar os males para mitigar os efeitos das correrias e quedas impostas pelo desenvolvimento econômico não-sustentado, como dizem os economistas ortodoxos e monetaristas, sempre contrariados pelos “desenvolvimentistas inflacionários”. A premissa básica na imprescindível anamnese é a da comparação com o número de ações distribuídas nos últimos anos e em curso perante as várias instâncias existentes, para averiguar se efetivamente o juiz brasileiro é tardinheiro e merece nota reprovatória. Estou convencido que não o é, face a realidade que vivenciei como advogado e que conheço como magistrado no STJ e no STE. Por mais que se julgue não se consegue dar cabo ou vencer a avalanche de ações, agravada pelos abundantes recursos. E é pior na primeira instância estadual e federal. Contam-se aos milhares as ações distribuídas e em andamento. E há que se levar em conta que o denominado congestionamento se deve, em grande parte, à fase da execução da sentença, após longo caminho percorrido no denominado processo de conhecimento, ou seja, para os leigos, o em que o juiz, após as instruções probatórias, exara a sentença, geralmente atacada por apelação, a que se seguem os recursos especiais e extraordinários. Assinale-se que todos os tribunais estão repletos de recursos, sendo longuíssimas as filas. Somente no Tribunal de São Paulo estão cerca de quinhentos mil recursos aguardando distribuição. Deve também ser considerada a existência do recurso do agravo de instrumento, cabível contra as chamadas decisões interlocutórias, proferidas pelo juiz para ordenar o andamento do processo. Não obstante deva ser recebido no efeito devolutivo, a verdade é que, versando comumente sobre a prova, o juiz, assoberbado por milhares de processos, prefere aguardar a decisão final do recurso contra o ato que praticou, que geralmente chega às filas do STJ e do STF, a fim de dar prosseguimento ao processo. Aliás, dizem as estatísticas que a maioria dos recursos em andamento no STJ são oriundos de acórdãos proferidos em agravo de instrumento. De permeio, assentou-se, no Brasil, a chamada medida cautelar que, “per faz et per nefas”, se vem transformando em verdadeira salsaparrilha, duplicando, de fato, os processos em todas as instâncias, para conferir efeito suspensivo aos recursos a que a lei não o defere (art. 542, § 2º, do CPC). Todas essas circunstâncias precisam ser levadas em conta antes da condenação do Judiciário brasileiro. E os profissionais da advocacia, indispensáveis à administração da Justiça, não podem esquecer a responsabilidade que têm pelo uso excessivo e até abusivo dos recursos abundantes conferidos às partes para a defesa dos seus direitos. Todas essas particularidades hão de ser levadas em conta para o diagnóstico do grande mal que atinge a nação — a morosidade na prestação da justiça pelo Estado, por certo, ele próprio, o maior freqüentador dos pretórios e grande fabricante das lides, como apontado pelo ilustre secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, dr. Sérgio Renault no “Diagnóstico do Poder Judiciário”, onde afirma preocupação pela postura do Estado com relação ao Judiciário, do qual é o maior cliente, figurando como parte em 80% dos processos e recursos em trâmite nos tribunais superiores. Ao fim e ao cabo da pesquisa haverá de constatar-se que, nas circunstâncias da economia e finanças públicas e do processo legal brasileiro, será difícil, se não impossível, minorar o quadro reprovado por todos os que militam no Poder Judiciário. Como estão as coisas, há de conceder-se ao juiz a absolvição, se não pela inocência, ao menos pelas excludentes da culpa Fonte: Artigo publicado na edição de 4 de julho do Correio Brazilense

Assessoria | Comunicação TJAC

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