Estudo acadêmico demonstra eficácia das penas alternativas no Acre

Trabalho revela que reeducandos compreendem finalidade social e caráter pedagógico das medidas, e evitam incorrer em novos comportamentos delitivos.

A Justiça Acreana foi o campo de pesquisa em um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Universidade Federal do Acre (UFAC). O artigo, defendido pelo acadêmico do Curso de Medicina Arthur da Silva Dias, revelou dados científicos que apontam para o efetivo alcance das chamadas medidas alternativas, preconizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Com o tema “Discurso dos Sentenciados por Acidentes de Trânsito”, o TCC foi produzido a partir de entrevistas com réus que cumprem sanções diversas da privação de liberdade, no âmbito da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma) da Comarca de Rio Branco, com o objetivo de melhor compreender o que pensam os apenados sobre os processos de mudança comportamental e ressocialização.

A juíza titular da unidade judiciária e auxiliar da presidência do TJAC, Andréa Brito, fez parte da banca examinadora do trabalho científico, ao lado do professor e orientador, Dr. Creso Lopes, e da professora Dra Greiciane da Silva Rocha.

A magistrada considerou que o TCC de um aluno do Curso de Medicina da UFAC, abordando “a compreensão de quem foi sentenciado e condenado em crime de trânsito é de alta importância para a equipe multidisciplinar da Vepma”.

“Isso na medida em que nos demonstra que estamos no caminho certo ao fomentar a retribuição ao crime com metodologias adequadas, segundo as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, dos Organismos Internacionais e que esse formato encontra absoluta compreensão entre os cumpridores de penas, atingindo o objetivo final, que é a prestação de serviço à comunidade como pena restritiva de direito e alternativa eficiente ao sistema prisional”, disse Andréa Brito.

“Discurso dos Sentenciados por Acidentes de Trânsito”

O TCC, que inclui agradecimentos ao desembargador Elcio Mendes (à época do início do estudo então juiz titular da Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito) e à juíza de Direito Maha Manasfi (atual titular da 3ª Vara de Família, ex-titular da Vepma), bem como aos técnicos da Vepma Paulo Wilker e Gilberto dos Santos, aborda a problemática dos acidentes de trânsito para a saúde pública em todo o mundo, ressaltando as altas taxas de mortalidade e sérias implicações a diferentes áreas, que vão da economia à Justiça, passando pela Previdência Social.

O estudo destaca que, “sob o ponto de vista epidemiológico, mais de um milhão de pessoas morrem a cada ano no mundo e 25 milhões ficam debilitados”. “Segundo estimativas, este quadro pode aumentar aproximadamente em 65% nos próximos 20 anos, caso não sejam tomados medidas preventivas”, assinala um trecho do artigo.

Para mergulhar na problemática, o acadêmico do Curso de Medicina da UFAC Arthur da Silva Dias decidiu entrevistar 30 apenados que cumprem medidas alternativas junto à Vepma para obter as impressões deles acerca dos delitos cometidos, como arrependimento, causas e até mesmo a eficácia do processo de ressocialização à ausência da pena restritiva de liberdade (não encarceramento), por meio da prestação de serviços comunitários.

O resultado demonstrou, entre outros, que a maior parte dos sentenciados (86,7%) é do sexo masculino, está na faixa etária dos 30-34 anos (36,7%) e tem tempo de habilitação superior a 10 anos (de 11-15 anos, 23%). O estudo destaca que, entre os tipos de delitos mais praticados estão: atropelamentos, colisões, dirigir sob influência de bebida alcoólica, além dos óbitos (homicídios culposos ou dolosos) deles decorrentes.

Além disso, os próprios participantes apontaram como causas mais comuns dos acidentes: desatenção do motorista, excesso de velocidade, ingestão de álcool e desobediência à sinalização.

“No discurso dos reeducandos, os problemas foram: imprudência, negligência, desrespeito às leis de trânsito, pressa e (…) as ações de educação-prevenção foram poucas (…), se o condutor não se conscientizar, nada ajuda. Na compreensão dos reeducandos, as penas foram justas, bem aplicadas, quem errou tem que pagar, reforçou a sensibilização e importância das atividades educativas”, assinala o artigo científico.

Um dado interessante revelado pelo estudo foi o de que motoristas costumam ser mais atentos ao trânsito antes de tirar suas carteiras de habilitação. O percentual dos que se envolveram em acidentes no período permissionário (de um ano) foi de 10,0%, ao passo de que, no período pós-permissionário (depois de um ano), esse índice pula para 70,0%.

“Esse dado nos coloca em alerta. Essa necessidade de se abordar essa pessoa que já tem CNH e que vem se colocando em risco, se envolvendo em acidentes de trânsito repetidamente, isso é algo que se deve considerar e que a gente tem que saber lidar, saber adotar as medidas apropriadas. Foi, no geral, um trabalho muito interessante de fazer”, pontuou o acadêmico do Curso de Medicina da UFAC.

As penas alternativas

A Lei 9.714/98 sedimentou as penas restritivas de direito, ampliando o leque de medidas até então previstas no ordenamento jurídico brasileiro. As penas restritivas de direito estão previstas nos artigos 43 a 48 do Código Penal Brasileiro, são penas autônomas e substitutivas e deverão ser aplicadas após a determinação da pena privativa de liberdade e se atendidos os requisitos determinados em lei.

O artigo 44 do Código Penal Brasileiro apresenta critérios objetivos e subjetivos a serem observados na aplicação das restritivas de direito. Aplica-se a pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; o réu não for reincidente em crime doloso; a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Prestação de serviços comunitários

A prestação de serviço à comunidade é a modalidade de pena restritiva de direito mais comumente aplicada pelos juízes no Brasil e consiste na atribuição de tarefas e serviços de modo gratuito a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

O juiz deverá aplicar a modalidade de pena e tempo, porém deve remeter às Centrais Integradas (CIAPs), por ser da sua competência o detalhamento do cumprimento.

A equipe multidisciplinar deve elaborar com a pessoa a atividade a ser desenvolvida, buscando vincular à prestação de serviço a uma atividade que valorize as suas potencialidades, sobretudo, vinculando tal atividade a um valor/sentido social/comunitário que o reoriente ao cumprimento das normas infringidas.

O que diz o CNJ?

Segundo a resolução 288 do CNJ, editada em junho de 2019, que define a nova política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação de alternativas penais, com enfoque restaurativo, vem ao encontro dos objetivos do Programa Justiça Presente, desenvolvido por meio de parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para enfrentar a crise penal. O texto aprovado substituiu a Resolução CNJ nº 101, de 2009.

O novo regramento prevê a articulação com o Poder Executivo na estruturação de serviços de alternativas penais, a especialização de Varas responsáveis pela execução das medidas aplicadas, além do fomento de políticas sociais adequadas.

“As medidas em meio aberto, como retribuição ao crime cometido, no entanto, devem ser eficientes e capazes de desestimular o cometimento de novos ilícitos”, comentou a juíza de Direito Andréa Brito.

“A promoção da aplicação de alternativas penais tem por finalidade a redução da taxa de encarceramento, a subsidiariedade da intervenção penal; a proporcionalidade e a idoneidade das medidas penais, dentre outras. A abordagem do tema pela Academia, ainda que em curso diverso das Ciências Sociais, demonstra a importância da interdisciplinaridade do debate para o encontro das soluções para os problemas da nossa sociedade”, finalizou.

Assessoria | Comunicação TJAC

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