Artigo da Semana: ‘Reforma da Loman precisa de participação da sociedade’

Por Carlos Henrique Abrão*

Em vigor há 34 anos, a Lei Complementar 35/1979 necessita de ampla reforma e se coadunar com o tempo da modernidade da magistratura.

Esclareço, desde logo, e não querendo polemizar, que não serão os dois meses de férias os obstáculos chamados corporativos que impedem uma revisão da legislação autoritária e concebida no período negro ditatorial.

Ao meu sentir, a função jurisdicional é indispensável e deve sempre estar se reciclando para atingir suas metas, atingir o tempo razoável de duração do processo, em harmonia com a efetividade.

A crise da sociedade pede uma magistratura operante sem regalias ou privilégios e, acima de tudo, com a mínima infraestrutura, ambientada no orçamento e na independência financeira, os pilares de uma entidade de classe com autonomia e próprio planejamento.

Não vamos nos amesquinhar com coisas pequenas. Sem a construção de um Judiciário forte, independente, autônomo, jamais seremos um país de primeiro mundo, como sonhamos.

É fundamental revermos os critérios de nomeação para a Corte Suprema, as eleições para os cargos diretivos, o tempo de férias, a remuneração das licenças não usufruídas, mas, essencialmente, a desproporção entre o número de juízes e o crescimento dos litígios e da população.

Países avançados, os quais tivemos o privilégio de conhecer de perto, apresentam um mecanismo automático da criação e instalação do cargo, conforme o registro populacional e aumento gradual das causas.

Nossos juizados criados malograram porque a procura foi tamanha que não conseguimos descongestionar suas amarras.

A partir da Emenda Constitucional 45/2004, chegou uma nova era, a qual se aglutina o papel indispensável do Conselho Nacional de Justiça. Apesar das críticas, entidade fundamental para o planejamento, discernimento e unificação dos procedimentos.

A Justiça moderna deveria funcionar 24 horas, em tempo integral, dada a montanha de processos e o volume de causas em tramitação: quase cem milhões em todo o país, a significar que temos um processo para cada dois habitantes.

Conquanto se procure a solução da mediação ou da arbitragem, ambas louváveis, continuamos no mesmo sentido da litigiosidade, de tal sorte que é inadiável uma implementação de toda rede informatizada, com descentralização de funções e estruturas gerenciais presentes.

Os deveres dos magistrados não podem se submeter às circunstâncias subjetivas do artigo 35 da Lei Orgânica e já temos um Código de Conduta moral, os magistrados que forem punidos e não mostrarem zelo para com a coisa pública devem ser colocados em disponibilidade e sem remuneração plena, evidente, até para que a transparência demonstre a punição exemplar.

Reconhece-se que a magistratura, por muitos anos, marchou em desalinho para com a sociedade civil e, igualmente, está zelosa pelo mea culpa, porém não pode ombrear todas as responsabilidades, se o maior demandante é o Executivo e o pagamento por meio de precatórios representa um ataque maldoso à cidadania.

Demais a mais, a reformulação do Estatuto da Magistratura, tal qual é função primordial do STF, necessita de uma ampla participação e o acentuado equilíbrio, no propósito de melhorarmos as escolas e dotarmos aqueles iniciantes de um conjunto básico e próprio para as causas.

Em centros desenvolvidos, o magistrado fica até vários anos se especializando para, feita opção, dedicar-se à matéria que abraçou. Aqui, logo que é anunciado o resultado, ficam, os novos juízes, menos de um mês nas escolas e saem atrás de comarcas para os cargos de substitutos, sem a experiência desejada ou o caldo de cultura para o enfrentamento de problemas de toda a sorte, com menores, eleitorais, de família, e do mais variados campos.

Inexplicável e injustificadamente, a Lei Complementar está em vigor, nada obstante revestida de um sentido puro de inconstitucionalidade, pois a magistratura somente se desenvolve no campo da democracia, e nunca no período autoritário para o qual surgiu.

Imprescindível o aprimoramento da meritocracia, que exige muito mais do que simples apresentação e força política, o conhecimento total da matéria em prol da segurança da sociedade.

Em todos os seus aspectos, uma reforma, para tornar entulho a lei atual, é fundamental, e a oitiva da sociedade para que participe, sugira, as entidades de classe, todos com um só ideal, de trazer para a realidade uma classe unida na solução dos seus próprios problemas, tirando a eternização do processo e a desvalorização do binômio utilidade-adequação do cenário presente.

Reclamam muitos das decisões monocráticas em detrimento do órgão colegiado, mas sem uma amplitude de cargos e funções não seria possível oferecer uma resposta a médio prazo.

Com a passagem de 30 milhões de brasileiros da linha da miséria para o consumo, houve uma explosão de demandas, e a integração é feita sem diálogo com a Justiça.

Planos de saúde, operadoras de telefonia, operadoras de serviço, bancos, seguradoras, financeiras, concessionárias, a grande maioria aposta no tempo de demora, cuja inflação baixa permite que as despesas da causa sejam revertidas para qualquer outro investimento.

Não se concebe mais, em pleno século XXI, um antagonismo da Lei Orgânica com aquilo que se pretende, daí porque, sem uma reforma desse regramento, com agilidade e rapidez, muitas barreiras rolarão pelo caminho, e o maior prejudicado será o jurisdicionado.

*Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Artigo originalmente publicado no dia 14 de março na Revista Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br).

Assessoria | Comunicação TJAC

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