Artigo da Semana: Prisão cautelar e excesso de prazo – estudo voltado à Lei de Drogas

Por Gustavo Sirena*

Antes de ingressar no âmago da discussão, é oportuno traçar um sucinto comentário acerca da segregação cautelar.

Sabe-se que a prisão só deve ser decretada ou mantida em situações excepcionais, ou seja, quando presentes indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime – fumus comissi delicti, bem como pelo menos um dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) – periculum libertatis. A prisão cautelar não pode ser tratada como forma de antecipação da condenação.

Daí afirmar, segundo lição de Fernando da Costa Tourinho Filho (1997, p. 487):

“Já vimos que a prisão preventiva é medida excepcional e, por isso mesmo, decretável em casos de extrema necessidade. Segue-se, pois, que, se durante o processo o Juiz constatar que o motivo ou os motivos que a ditaram já não mais subsistem, poderá revogá-la. É claro que, se a medida excepcional fica condicionada a uma daquelas circunstâncias – garantir a ordem pública, preservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal -, se nenhum desses motivos subsiste, outro caminho não resta ao Juiz senão revogar a medida odiosa. Cumpre observar que, atualmente, a prisão provisória, entre nós, fica adstrita a uma daquelas circunstâncias. Nem mesmo a prisão em flagrante, seja a infração afiançável ou inafiançável, pode subsistir, se não houver a necessidade de encarceramento, expressa naquela fórmula do art. 312 do CPP. Por outro lado, mesmo revogada a preventiva, tal como previsto no art. 316 do CPP, nada impede que o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou do querelante, venha a redecretá-la. Em que hipótese? Se sobrevierem as razões que a justifiquem”.

A propósito, sobre o assunto Luigi Ferrajoli (2002, p. 443) acentua:

“Para Hobbes, a prisão preventiva não é uma pena mas um ´ato de hostilidade´ contra o cidadão, de modo que ´qualquer dano que faça um homem sofrer, com prisão ou constrição antes que sua causa seja ouvida, além ou acima do necessário para assegurar sua custódia, é contrário à lei da natureza´. Para Beccaria, ´sendo a privação da liberdade uma pena, não pode preceder a sentença senão quando assim exigir a necessidade´: precisamente, a ´custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, … deve durar o menor tempo e deve ser o menos dura possível´ e ´não pode ser senão o necessário para impedir a fuga ou não ocultar a prova do crime´. Para Voltaire, ´o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos´. Analogamente, Diderot, Filangieri, Condorcet, Pagano, Bentham, Constant, Lauzé Di Peret e Carrara denunciam com força a ´atrocidade´, a ´barbárie´, a ´injustiça´ e a ´imoralidade´ da prisão preventiva, exigindo sua limitação, tanto na duração como nos pressupostos, aos casos de ´estrita necessidade´ do processo”.

Essas orientações têm como único objetivo registrar a excepcionalidade da prisão cautelar.

Importante trazer a colação as palavras de Roberto Bovino (1997, p. 57) acerca das funções das prisões-pena e das prisões cautelares:

“(…) Resulta completamente ilegítimo detener preventivamente a una persona com fines retributivos o preventivos (especiales o generales) propios de la pena (del derecho penal material), o considerando critérios tales como la peligrosidad del imputado, la repercusión social del hecho o la necesidad de impedir que El imputado cometa nuevos delitos. Tales critérios no están dirigidos a realizar la finalidad procesal del encarlemamiento preventivo y, por ello, su consideracíon resulta ilegítima para decidir acerca de la necesidad de La detención preventiva”.

Após sucinto retrospecto, voltamos à especificidade do assunto.

É de sabença uníssona que o excesso abusivo de prazo para o encerramento da instrução processual implica em constrangimento ilegal. Às partes deve ser garantido um prazo razoável para a conclusão da instrução.

Resta saber quando estará caracterizada a tardança injustificada para a formação da culpa.

Com o advento da Lei 11.343/06 os prazos para a conclusão da instrução processual passaram a ser os mais diversos possíveis, razão pela qual é oportuna uma abreviada explanação acerca daquela lei para uma melhor concepção da dimensão processual da matéria.

À luz da Lei 11.343/06, em caso de prisão em flagrante, a autoridade policial deve comunicá-la imediatamente ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado que será encaminhado ao Ministério Público em no máximo 24 horas (art. 50, caput).

O limite para a arrematação do inquérito policial, em se tratando de réu preso, é de 30 (trinta) dias. Vale frisar que esse prazo pode ser duplicado pelo juiz, depois de ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade policial, a possibilitar que o termo para a conclusão da peça policial venha a chegar ao montante de 60 (sessenta) dias (art. 51, parágrafo único).

Depois de concluído o inquérito, o Ministério Público tem o prazo de 10 (dez) dias para adotar uma providência, exemplo, oferecer denúncia (art. 54).

Oferecida a peça inicial, o acusado apresentará defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (art. 55). Caso a resposta não seja ofertada no tempo determinado, o juiz nomeará novo defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias (art. 55, §3º).

Proporcionada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias (art. 55, §4º).

Levando-se em consideração a imprescindibilidade, o magistrado determinará a realização de diligência, exames e perícias no prazo máximo de 10 (dez) dias (55, §5º).

Recebida a denúncia, o julgador designará audiência de instrução e julgamento no tempo limite de 30 (trinta) dias, a contar da data do recebimento da denúncia (art. 56, §2º). Em sendo determinada realização de avaliação para atestar a dependência de drogas, esse prazo será estendido para 90 (noventa) dias (art. 56, §2º), a ser computado a partir do recebimento da denúncia.

Encerrada a instrução, o juiz decidirá de imediato ou fará em 10 (dez) dias (art. 58).

Pois bem. Ajustando-se os prazos acima mencionados, chega-se à seguinte conclusão:

  1. O prazo para ser proferida a sentença, via de regra, é de 85 dias;
  2. Mantendo-se inerte o defensor titular e havendo a necessidade de nomeação de novo profissional para a apresentação de defesa prévia, o prazo se estenderá para 95 dias;
  3. Tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 95 dias;
  4. Existindo, nos autos, pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 145 dias;
  5. Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e existindo diligências a serem requeridas pelo juiz, o prazo será de 105 dias;
  6. Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia, bem como estando os autos no aguardo da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias;
  7. Havendo a necessidade de novas diligências e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 155 dias;
  8. Instituído novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 165 dias.

Pode, ainda, ocorrer uma nova dilação de prazos caso haja duplicação do termo para a conclusão do inquérito policial (60 dias), o que avança ainda mais o prazo legal, senão vejamos:

  1. O prazo para a prolação da sentença será de 115 dias;
  2. Ocorrendo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, o prazo será de 125 dias;
  3. Advindo a necessidade de novas diligências, o prazo será de 125 dias;
  4. Havendo pendência de conclusão da avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 175 dias;
  5. Designado novo defensor para a apresentação de defesa prévia e tendo diligências a serem realizadas, o prazo será de 135 dias;
  6. Em caso de nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia e havendo pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo será de 185 dias;
  7. Existindo diligências a serem realizadas, bem como pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo máximo será de 185 dias;
  8. Advindo a nomeação de novo defensor para a apresentação de defesa prévia, tendo diligências a serem realizadas e pendência de avaliação de dependência de drogas, o prazo teto será de 195 dias.

Não obstante ser possível ocorrer 16 (dezesseis) combinações, existem 12 (doze) prazos distintos a serem considerados quando da análise do alegado excesso de prazo. Em suma, os prazos para a formação da culpa variam de 85 (oitenta e cinco) a 195 (cento e noventa e cinco) dias.

Ressalte-se, ainda, que os termos acima descritos leva em consideração a sentença proferida no ato da audiência de instrução e julgamento; porém, esse marcos pode sofrer um acréscimo de 10 (dez) dias, caso o julgador opte em não decidir na aludida audiência (art. 58), o que modifica o patamar mínimo para 95 (noventa e cinco) e o máximo para 205 (duzentos e cinco) dias, além de render mais 16 (dezesseis) combinações.

Logo, aqui se aplica o notório adágio de que “cada caso é um caso”.

Vale registrar, ainda, que os termos tratados pela lei de drogas não podem ser avaliados com rigorismo exacerbado, devendo, sempre, ser realizado um estudo em consonância com os princípios norteadores da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista as peculiaridades de cada caso, v. g., trâmites processuais complexos, comportamento das partes e quantidade de réus.

As medidas cautelares detêm características singulares, visto que versam sobre a garantia da liberdade do indivíduo.

O tempo determinado para o término da instrução processual não é absoluto, podendo ser dilatado conforme as particularidades de cada episódio.

A demora razoável e justificada na formação da culpa não configura constrangimento ilegal.

Resta perguntar: mas que efeitos haveriam de se reconhecer caso o excesso prazal venha a ocorrer após o término da instrução criminal? Desde que a defesa não tenha contribuído para a mora, entendemos que o réu não pode ficar aguardando uma decisão ad eternum só por que cessou a instrução.

A simples alegação de que a instrução processual atingiu seu fim, não serve como escusa para afastar o tão-famigerado constrangimento ilegal.

Em caso de retardamento imputável à máquina judiciária a soltura do agente é medida que se impõe, sob pena de se ofender os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da razoável duração do processo (artigo 5º, incisos III e LXXVIII da Constituição Federal). Assim, fica suplantada a Súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça que apregoa: “encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.

A razoável duração do processo deve ser harmonizada com princípios e valores constitucionalmente abraçados pelo Direito brasileiro. Não deve ser apreciada de modo independente e descontextualizada do caso a ser apreciado.

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Bibliografia

BOVINO, Roberto. El encarcelamiento preventivo em los tratados de derechos humanos. In. ABREGÚ, Martín e COURTIS, Cristian (Orgs.). La aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos por los tribunales locales. Buenos Aires: Del Puerto,1997.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3, 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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* Gustavo Sirena é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Atualmente é titular da Comarca de Feijó.

Assessoria | Comunicação TJAC

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